LINCE IBÉRICO

AINDA VIVO
Numa semana em que mais dois linces ibéricos morreram atropelados na estrada espanhola A-483 que liga Almonte a Matalascanhas (Huelva), a descrença começa a ganhar vantagem à esperança.
Por isso queria dedicar o texto em baixo, de alguem que sentiu há mais de 25 anos, aquilo que alguns continuam a sentir actualmente. Podem nunca chegar a lê-lo mas aqui está ele para todos os nossos ministros do ambiente, primeiros ministros, presidentes, empresários e industriais, professores e jornalistas, ideólogos e gente comum, que deixaram o nosso Linçe Ibérico morrer silenciosamente.
A quem levantou e ainda levanta a voz...Obrigado, Gracias.
"Despachem-se. Saúdem-me antes que reste de mim apenas a lembrança. Leva-me, a galope, o esquecimento a que tudo hoje se destina. Quero dizer que me escapo mais rapidamente do que os vossos desejos.
Nada deterá a minha ida até à segura guarida da morte? Não porão a tempo nenhum obstáculo à minha corrida até à recordação? E se toda a ausência é ruína?
Como e quando acabará o extermínio? Se hoje ainda me encontram, mais provável em vitrines que no meu lugar de verdo espesso, amanhã pode ser tarde.
Só na memória de poucos estarei então, definitivamente indefeso como esses diminutos pássaros migrantes que são alcançados por uma tempestade em alto mar, e lhes ataranta a brusca caída das àguas do céu, precipitando-se espectantes, para abraçar as suas irmãs do oceano...
Mas viver na recordação não me consola pois isso tambem é morrer. Não há evocação suficientemente grande.
Ainda assim, nestes poucos dias que me restam, ocupo-me a olhar para trás, para o tempo passado, quando havia sitio para todos e isto estava repleto de sons, de cores e cheiros...que acompanham a saúde da terra. Ânsia desde logo, pela vossa ausência. E por isso espero devolver-vos o sentimento. E ao contrário, quero imaginar, que por uma vez, arrependidos a tempo, o vosso calor golpeia a terra humida e nós ressuscitamos.
Algo teria de mudar, como estas palavras de agora, como este gritar vossos nomes, até afogarmos na penumbra que tudo desvanece.
Têm de travar este imenso mal crispado! Têm de socorrer tudo o que se agita nos últimos charcos de chuva: pois a maioria somos já peixes encurralados pela séca chamada progresso!
Nisso penso, como todos os sentenciados, para poder suportar os últimos instantes.
Mas sei que me extingo.
Até logo então...
O LINCE "
Texto do espanhol Joaquim Araujo (1980)
post extraído do blog
THE RainbowWarrior