LUA DE LOBOS
Entre a vastidão
do tempo e do espaço,
envolta em neblina,
seria a solidão
mistério completo,
não fora algo
a mover-se
suave e tímido
entre moitas agrestes
e neve branda.
Um lobo magnifico
esfuma-se no horizonte longo.
Persistindo na memória,
guardei no silêncio profundo,
o uivo dolente,
esbatido na madrugada.
E FALASTE POUCO...
Andava tão cansada que já nem dormia.
Sentia cada osso como uma tortura individual e personalizada.
Cada madrugada tornava-se uma total impossibilidade de permanecer na cama e lá me levantava, rabugenta à procura do chá que me acalmava o estômago, que agora afirmara a sua existência com caimbras constantes.
Estas tinham sido as minhas companheiras nas últimas semanas
Atacavam-me à socapa, deixando-me dobrada ao meio, sem controle para poder disfarçar e não incomodar a minha família, impotente e sem saber como me acudir.
Ir ao médico estava nas minhas previsões mais remotas.
Os meus cházinhos, a minha argila e as minhas meditações costumavam resolver estes pequenos problemas do dia-a-dia.
Naquela manhã, resolvi fazer algo que nunca fizera em toda a minha vida. Telefonei para uma amiga que era responsável por uma Reserva de Lobos e perguntei descaradamente se podia ficar lá uns dois dias.
Obviamente que recebi um sim imediato e caloroso.
O meu livro sobre lobos empancara e a minha musa inspiradora tinha tirado férias, provavelmente para a Patagónia ou tinha ido visitar os primos Papuas, deixando-me a mim com ataques de fúria e ao meu editor com ataques de nervos.
Enchi uma mochila com o mínimo necessário para o calor e para o frio porque ia para a Serra e lá abalei dois dias depois.
A estrada de acesso estava péssima, o último Inverno fora tremendo e em algum pontos a berma desaparecera mesmo.
Cheguei a meio da tarde, mas a minha amiga estava desaparecida. Eram perto de trinta hectares de Reserva e para dar a volta àquilo tudo era sempre complicado em termos de tempo.
Em terra de boa gente, portas são para estar abertas para que os amigos vão entrando e foi o que fiz, fui entrando.
Eu levara comigo uns petiscos pois queria era descansar, conversar, absorver a atmosfera dos meus lobos e ver se encontrava a safada da minha musa, não fosse ela ter regressado e não me ter avisado...
Pousei a tralha e acabei por vir sentar-me cá fora, olhando o primeiro cercado onde estavam a Ruiva e o Luar.
Ela como sempre, lá andava toda activa, acima e abaixo, deitando-me um olhar tímido e meio desconfiado.
As dores de estômago tinham desaparecido e eu sentia-me a revigorar de minuto a minuto.
Por fim, lá apareceu a minha amiga, esbaforida a reclamar, de telemóvel ao ouvido, qualquer coisa relacionada redes, vedações e não sei mais o quê.
Desligou e resmungando, comunica-me que tinha de se ausentar e que só viria no dia seguinte porque lhe tinham marcado uma reunião urgente por causa de um subsídio qualquer.
Eu estava por tudo e depois de um belo jantar, ela partiu no jeep barulhento, cortando o silêncio da serra.
Nem abri a televisão, a noite estava quente e depois de por as redes mosquiteiras nas janelas, deitei-me. Quando faz calor na serra, é bem difícil de dormir e eu acabei por me levantar.
Abri a porta para entrar um pouco de ar mas o sono não vinha e o calor não abrandava. Voltei para a cama mas depois de mais umas quantas voltas, levantei-me novamente e fui beber um copo de leite.
Ao virar-me para entrar no quarto, bato com o copo na ombreira da porta, salpicando tudo em redor.
Definitivamente, só fazia asneira e o melhor era ir-me deitar e dormir.
De madrugada, acordei em sobressalto com a sensação de que não estava só.
Acendi o candeeirinho de mesa de cabeceira, olhando em redor mas nada de estranho se encontrava no quarto.
Fiquei sentada na cama, meio confusa, a sentir-me ainda cheia de sono quando de súbito me lembrei do que acabara de sonhar.
Um lobo castanho fulvo entrara no quarto e acercando-se, cheirara-me cuidadoso e tímido.
Depois devagar, lambera-me a cara e num sussurro, murmurara algo como: - - - Gosto de ti...
Levei instintivamente a mão ao rosto e estava meio húmido.
Credo!!!
Devia ser transpiração, estava um calor danado.
Fui à casa de banho e chapinhei a cara com água fria porque aquilo estava a incomodar-me.
Que raio de sonho mais vivido!!!
Tornei a deitar-me e três horas depois, acordei com a minha amiga a reclamar comigo, por causa da porta escancarada.
- Esta mulher é maluca! Ainda ontem eu estive a reclamar com um fulano que ficou de vir arranjar a cerca do Red. E tu ouviste muito bem. Aquilo não está seguro. Imagina que algum lobo foge...e tu de porta aberta...
Encolhi os ombros.
Nunca tivera medo de lobos.
Nunca conseguira entender esse terror atávico das pessoas a esses magníficos animais...isso transcendia-me.
Se calhar também tinha a ver com o sentido de fidelidade ao seu companheiro de toda a vida, que nos humanos não é propriamente pródigo.
Entretanto tinham chegado os operários para reparar as redes e a minha amiga foi com eles.
O cercado era no fundo da propriedade e ainda iria demorar um bocado antes de conseguir comer qualquer coisita.
Como ela nunca mais voltasse e eu quisesse tomar o pequeno almoço acompanhada, resolvi ir lá baixo, pois sempre andava um pouco a pé e aquele cheirinho dos eucaliptos e dos renovos de pinheiro, era irresistível.
Encontrei-a histérica.
- Graças a Deus! Graças a Deus! Estão todos lá dentro !
Imagina que abriram um buraco no sitio onde a rede estava frouxa e devem ter estado a tentar sair por ali! Até tem pêlos lá presos!
Não fugiram por milagre.
E num suspiro bem fundo :
- Já consegui vê-los, aos quatro...
Fiquei calada.
A sensação da língua macia do lobo na minha cara, voltou num ápice.
E aquele sussurro...
Não! Estava doida de todo!
Ainda bem que resolvera ir descansar ali porque o meu estado era bem pior do que eu pensava.
O stress de facto, além de matar, na fase anterior, endoidece as pessoas.
O estômago já tinha começado a chiar, de fome e nervos.
Ia começar com uma crise das tais que me deixavam enrolada como um bicho-de-conta gigante.
Subimos a ladeira e entrámos no fresco acolhedor da cozinha, pois lá fora já começava a ficar escaldante.
O meu estômago parecia uma pedra tal era a violência do espasmo e apressei-me a por a água ao lume e a abrir o saco do pão, acabadinho de trazer, pelo senhor Manuel, lá debaixo da aldeia.
O pequeno almoço vinha mesmo a calhar, pois com o meu chá de cidreira, bem quentinho, as dores acalmavam logo.
- O que é isto, aqui no chão?- perguntou a minha amiga de dedo espetado.
Como ela não saía da frente, tive que me por em bicos dos pés para poder ver.
Várias pégadas iam e vinham da cozinha para o quarto e do quarto para a cozinha, patinhadas no leite que eu entornara.
Um silencio opaco ficou a pairar.
- Dormiste de porta aberta?
- Estava calor...
do livro LUA DE LOBOS
maria de são pedro
do tempo e do espaço,
envolta em neblina,
seria a solidão
mistério completo,
não fora algo
a mover-se
suave e tímido
entre moitas agrestes
e neve branda.
Um lobo magnifico
esfuma-se no horizonte longo.
Persistindo na memória,
guardei no silêncio profundo,
o uivo dolente,
esbatido na madrugada.
E FALASTE POUCO...
Andava tão cansada que já nem dormia.
Sentia cada osso como uma tortura individual e personalizada.
Cada madrugada tornava-se uma total impossibilidade de permanecer na cama e lá me levantava, rabugenta à procura do chá que me acalmava o estômago, que agora afirmara a sua existência com caimbras constantes.
Estas tinham sido as minhas companheiras nas últimas semanas
Atacavam-me à socapa, deixando-me dobrada ao meio, sem controle para poder disfarçar e não incomodar a minha família, impotente e sem saber como me acudir.
Ir ao médico estava nas minhas previsões mais remotas.
Os meus cházinhos, a minha argila e as minhas meditações costumavam resolver estes pequenos problemas do dia-a-dia.
Naquela manhã, resolvi fazer algo que nunca fizera em toda a minha vida. Telefonei para uma amiga que era responsável por uma Reserva de Lobos e perguntei descaradamente se podia ficar lá uns dois dias.
Obviamente que recebi um sim imediato e caloroso.
O meu livro sobre lobos empancara e a minha musa inspiradora tinha tirado férias, provavelmente para a Patagónia ou tinha ido visitar os primos Papuas, deixando-me a mim com ataques de fúria e ao meu editor com ataques de nervos.
Enchi uma mochila com o mínimo necessário para o calor e para o frio porque ia para a Serra e lá abalei dois dias depois.
A estrada de acesso estava péssima, o último Inverno fora tremendo e em algum pontos a berma desaparecera mesmo.
Cheguei a meio da tarde, mas a minha amiga estava desaparecida. Eram perto de trinta hectares de Reserva e para dar a volta àquilo tudo era sempre complicado em termos de tempo.
Em terra de boa gente, portas são para estar abertas para que os amigos vão entrando e foi o que fiz, fui entrando.
Eu levara comigo uns petiscos pois queria era descansar, conversar, absorver a atmosfera dos meus lobos e ver se encontrava a safada da minha musa, não fosse ela ter regressado e não me ter avisado...
Pousei a tralha e acabei por vir sentar-me cá fora, olhando o primeiro cercado onde estavam a Ruiva e o Luar.
Ela como sempre, lá andava toda activa, acima e abaixo, deitando-me um olhar tímido e meio desconfiado.
As dores de estômago tinham desaparecido e eu sentia-me a revigorar de minuto a minuto.
Por fim, lá apareceu a minha amiga, esbaforida a reclamar, de telemóvel ao ouvido, qualquer coisa relacionada redes, vedações e não sei mais o quê.
Desligou e resmungando, comunica-me que tinha de se ausentar e que só viria no dia seguinte porque lhe tinham marcado uma reunião urgente por causa de um subsídio qualquer.
Eu estava por tudo e depois de um belo jantar, ela partiu no jeep barulhento, cortando o silêncio da serra.
Nem abri a televisão, a noite estava quente e depois de por as redes mosquiteiras nas janelas, deitei-me. Quando faz calor na serra, é bem difícil de dormir e eu acabei por me levantar.
Abri a porta para entrar um pouco de ar mas o sono não vinha e o calor não abrandava. Voltei para a cama mas depois de mais umas quantas voltas, levantei-me novamente e fui beber um copo de leite.
Ao virar-me para entrar no quarto, bato com o copo na ombreira da porta, salpicando tudo em redor.
Definitivamente, só fazia asneira e o melhor era ir-me deitar e dormir.
De madrugada, acordei em sobressalto com a sensação de que não estava só.
Acendi o candeeirinho de mesa de cabeceira, olhando em redor mas nada de estranho se encontrava no quarto.
Fiquei sentada na cama, meio confusa, a sentir-me ainda cheia de sono quando de súbito me lembrei do que acabara de sonhar.
Um lobo castanho fulvo entrara no quarto e acercando-se, cheirara-me cuidadoso e tímido.
Depois devagar, lambera-me a cara e num sussurro, murmurara algo como: - - - Gosto de ti...
Levei instintivamente a mão ao rosto e estava meio húmido.
Credo!!!
Devia ser transpiração, estava um calor danado.
Fui à casa de banho e chapinhei a cara com água fria porque aquilo estava a incomodar-me.
Que raio de sonho mais vivido!!!
Tornei a deitar-me e três horas depois, acordei com a minha amiga a reclamar comigo, por causa da porta escancarada.
- Esta mulher é maluca! Ainda ontem eu estive a reclamar com um fulano que ficou de vir arranjar a cerca do Red. E tu ouviste muito bem. Aquilo não está seguro. Imagina que algum lobo foge...e tu de porta aberta...
Encolhi os ombros.
Nunca tivera medo de lobos.
Nunca conseguira entender esse terror atávico das pessoas a esses magníficos animais...isso transcendia-me.
Se calhar também tinha a ver com o sentido de fidelidade ao seu companheiro de toda a vida, que nos humanos não é propriamente pródigo.
Entretanto tinham chegado os operários para reparar as redes e a minha amiga foi com eles.
O cercado era no fundo da propriedade e ainda iria demorar um bocado antes de conseguir comer qualquer coisita.
Como ela nunca mais voltasse e eu quisesse tomar o pequeno almoço acompanhada, resolvi ir lá baixo, pois sempre andava um pouco a pé e aquele cheirinho dos eucaliptos e dos renovos de pinheiro, era irresistível.
Encontrei-a histérica.
- Graças a Deus! Graças a Deus! Estão todos lá dentro !
Imagina que abriram um buraco no sitio onde a rede estava frouxa e devem ter estado a tentar sair por ali! Até tem pêlos lá presos!
Não fugiram por milagre.
E num suspiro bem fundo :
- Já consegui vê-los, aos quatro...
Fiquei calada.
A sensação da língua macia do lobo na minha cara, voltou num ápice.
E aquele sussurro...
Não! Estava doida de todo!
Ainda bem que resolvera ir descansar ali porque o meu estado era bem pior do que eu pensava.
O stress de facto, além de matar, na fase anterior, endoidece as pessoas.
O estômago já tinha começado a chiar, de fome e nervos.
Ia começar com uma crise das tais que me deixavam enrolada como um bicho-de-conta gigante.
Subimos a ladeira e entrámos no fresco acolhedor da cozinha, pois lá fora já começava a ficar escaldante.
O meu estômago parecia uma pedra tal era a violência do espasmo e apressei-me a por a água ao lume e a abrir o saco do pão, acabadinho de trazer, pelo senhor Manuel, lá debaixo da aldeia.
O pequeno almoço vinha mesmo a calhar, pois com o meu chá de cidreira, bem quentinho, as dores acalmavam logo.
- O que é isto, aqui no chão?- perguntou a minha amiga de dedo espetado.
Como ela não saía da frente, tive que me por em bicos dos pés para poder ver.
Várias pégadas iam e vinham da cozinha para o quarto e do quarto para a cozinha, patinhadas no leite que eu entornara.
Um silencio opaco ficou a pairar.
- Dormiste de porta aberta?
- Estava calor...
do livro LUA DE LOBOS
maria de são pedro
7 Uivos:
Um livro que eu adorei ler!! Beijinhos.
Maria,
Vou para a cama com a tua história. Para sonhar... tenho o patinhas por perto, que também se chama loulou (à francesa) e que chamo às vezes por le-loup...
Adorei, simplesmente líndissimo!
Beijos Lunares
lindissimo - ainda bem q não sonhaste!
agora , sou talvez eu q sonho : há dias vim ao teu blog, através doutro e só encontrei textos de uma viagem lá para os orientes, com textos parecidos aos teus. Como não te tenho "visto" pensei que tinhas tirado férias.... Afinal , estás aqui e bem atarefada , com mais outro livro publicado e textos lindissimos , como só tu sabes.
Um beijo grande para ti
ehehe este livro já tem uns anitos e já não se encontra à venda... agora só por aqui ::)) e não andei pelo oriente, ne férias tive, isso é algo para gente normal o que não é o caso :)
xi a todos o que me visitam e aturam o meu último neurónio
maria
Ai os lobos... são melhores do que os homens-lobos com pele de cordeiros...
Olá menina Maria
Este é um dos magníficos textos deste teu livro que adorei. Foi bom recordá-lo.
Atarefada, com as avarias que a net ou servidor nos brinda, arranjos em casa, sem férias e cansada, assim passou Agosto.
Finalmente, e já quase a meados de Setembro, regresso para novamente partir em breve para umas curtas férias. Já nem sei se me lembro do seu cheiro! Veremos! :)
Um bjinho grande e uma flor
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